O módulo inicial da certificação, apresentado por Douglas Conte (cofundador da Qore e especialista em cultura e economia comportamental), visa apresentar a visão da Qore sobre cultura de forma clara e objetiva. Embora o termo "cultura" tenha ganhado relevância nos últimos 15 a 20 anos, tendo sido protagonizado por teóricos como Edgar Schein nos anos 80, o objetivo aqui é aprofundar e mostrar como enxergar e influenciar esse conceito.
A Qore define cultura como um grande código invisível presente em todas as empresas, o qual dirige as decisões diárias.
• Ordem Social Tácita: A cultura é uma ordem social tácita, ou seja, algo intangível e implícito. É aceita pelas pessoas sem estar expressa em lugar algum e atua moldando comportamentos, definindo o que é incentivado ou rejeitado, e influenciando resultados, performance e engajamento.
• Sistema Operacional: Na Qore, a cultura é vista como um grande sistema operacional ou um algoritmo de fundo que ninguém vê ou lê, mas que todos executam. Assim como metrônomos que se ajustam a um ritmo coletivo, as pessoas na organização sincronizam gradualmente seus comportamentos, crenças e valores compartilhados.
Para entender a cultura, é necessário compreender sua origem e causa (lógica aristotélica). A formação da cultura é explicada em quatro atos:
Ato 1: O Instinto de Pertencer é Inato e Ancestral
O desejo de pertencer a um grupo é uma característica biológica, instintiva e ancestral do ser humano, pois a sobrevivência em grupo (na tribo) foi evolutivamente vantajosa.
• Economia Comportamental (Kahneman): A base dessa conformidade está ligada à racionalidade limitada de Daniel Kahneman. A teoria dos prospectos de Kahneman estabelece que as decisões não são puramente racionais e são afetadas por dois fatores: a heurística da disponibilidade (decisões sobre o que está acessível) e a aversão à perda (a dor de perder pesa mais que o prazer de ganhar).
• Sistema 1 vs. Sistema 2: A mente humana tende a minimizar esforços, fazendo com que a maioria das decisões (70-80%) seja executada pelo Sistema 1 (rápido, intuitivo e automático), que é moldado pela evolução. Esse sistema utiliza atalhos mentais, sendo um deles a conformidade social, a busca por pertencimento para não destoar.
Ato 2: A Busca por Aceitação (O Medo)
A busca por aceitação e pertencimento é motivada mais pelo medo de ficar de fora, ser desprezado ou decepcionar do que pelo prazer social. Isso reforça a aversão à perda de Kahneman.
• A Segurança Social: Estudos (como o do livro The Culture Code) mostram que o fator crucial para grupos darem certo é a sensação de segurança. Sentir-se seguro no grupo permite a conexão social, o que significa que o pertencimento ocorre de fora para dentro.
• A amígdala central, que tradicionalmente era ligada apenas ao risco (luta ou fuga), também está vinculada à conexão social e à reação ao perigo de exclusão.
Ato 3: Padrões de Comportamento como Algoritmo Bioquímico
Os padrões de comportamento de uma pessoa funcionam como um algoritmo bioquímico, um código de reações químicas e elétricas pré-definidas no cérebro.
• Segundo Shane Parish, esses padrões de pensamento e comportamento são programados de forma inconsciente, seja pela herança evolutiva ou pelas vivências, hábitos, medos, emoções e rituais.
Ato 4: Interesses Individuais Tornam-se Secundários
Quando a conformidade social (que é inata, programada e vem da aversão à perda) acontece, os interesses individuais se tornam secundários aos do grupo.
• O Experimento da Conformidade: Um experimento realizado em um falso consultório oftalmológico demonstrou que as pessoas repetem comportamentos (levantar ao som de um bipe) unicamente porque o grupo faz o mesmo, mesmo sem saber o motivo. Esse comportamento se torna uma norma social e continua a ser executado mesmo sem a presença do grupo original, sendo até ensinado a novos participantes.
• O "Terço Mágico": A teoria sugere que 30-33% de um grupo que adota um comportamento ou crença passa a ser um grupo de influência. Caso haja dois grupos de 30% em oposição, ocorre um choque cultural
A cultura é esse código invisível, coletivo, que é inato e inerente ao ser humano. Como as empresas são feitas de seres humanos, toda empresa tem cultura.
• Martin Buber e o Encontro: Reforçando a natureza social, o filósofo Martin Buber desenvolveu a teoria "Eu e Tu", cuja frase central é: "Todo o viver verdadeiro é encontro". Uma empresa é essencialmente encontros diários, compartilhando desafios, decisões e sonhos.
• O Algoritmo Coletivo: A cultura é o algoritmo bioquímico moldado pela evolução e ativado pelo medo de ficar sozinho, que faz com que as pessoas sigam os valores do grupo antes dos seus próprios, criando uma ordem social tácita.
Reprogramando o Sistema
A frase clássica "A cultura come a estratégia no café da manhã" (erroneamente atribuída a Peter Drucker) é verdadeira, pois a cultura define como as pessoas se comportarão. No entanto, a cultura, sendo um algoritmo sistêmico, pode ser reprogramada.
• Os Sistemas Comem a Cultura: A premissa da Qore é que "A cultura come a estratégia no café da manhã, mas os sistemas comem a cultura no almoço".
• Como Moldar a Cultura: A reprogramação não ocorre apenas por força de vontade ou em reuniões da alta cúpula para redefinir missão, visão e valores. A cultura é moldada ao criar um ambiente (não apenas físico) em que o comportamento desejado se torne o padrão.
• A cultura é o que é vivido na prática, e é mais definida pelo que é tolerado e influenciado diariamente, ou pelo que é silenciado, do que pelas declarações oficiais na parede.
• Liderança e Sombra: Carolyn Taylor (autora de Walking the Talk) afirma que a cultura é a sombra projetada pela liderança, moldada pelas ações e decisões diárias, e não apenas pelas declarações. Para reprogramar esse algoritmo invisível, é necessário sistematizá-lo.